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segunda-feira, 19 de abril de 2010

Quem é o gato? - Fernando Sabino

Quem é o gato? Fernando Sabino



- Aí então, eu sonhei que tinha acordado. Mas continuei dormindo.

- Continuou dormindo.

- Continuei dormindo e sonhando. Sonhei que estava acordado na cama, e ao lado, sentado na cadeira, tinha um gato me olhando.

- Que espécie de gato?

- Não sei. Um gato. Não entendo de gatos. Acho que era um gato preto. Só sei que me olhava com aqueles olhos parados de gato.

- A que você associa essa imagem?

- Não era uma imagem: era um gato.

- Estou dizendo a imagem do seu sonho: essa criação onírica simboliza uma profunda vivência interior. É uma projeção do seu subconsciente. A que você associa ela?

- Associo a um gato.

- Eu sei: aparentemente se trata de um gato. Mas na realidade o gato, no caso, é a representação de alguém. Alguém que lhe inspira um temor reverencial. Alguém que a seu ver está buscando desvendar o seu mais íntimo segredo. Quem pode ser essa alguém, me diga? Você deitado aí nesse divã como na cama em seu sonho, eu aqui nesta poltrona, o gato na cadeira… Evidentemente esse gato sou eu.

- Essa não, doutor. A ser alguém, neste caso o gato sou eu.

- Você está enganado. E o mais curioso é que, ao mesmo tempo, está certo, certíssimo, no sentido em que tudo o que se sonha não passa de uma projeção do eu.

- Uma projeção do senhor?

- Não: uma projeção do eu. O eu, no caso, é você.

- Eu sou o senhor? Qual é, doutor? Está querendo me confundir a cabeça ainda mais? Eu sou eu, o senhor é o senhor, e estamos conversados.

- Eu sei: eu sou eu, você é você. Nem eu iria pôr em dúvida uma coisa dessas, mais do que evidente. Não é isso que eu estou dizendo. Quando falo no eu, não estou falando em mim, por favor, entenda.

- Em quem o senhor está falando?

- Estou falando na individualidade do ser, que se projeta em símbolos oníricos. Dos quais o gato do seu sonho é um perfeito exemplo. E o papel que você atribui ao gato, de fiscalizá-lo o tempo todo, sem tirar os olhos de você, é o mesmo que atribui a mim. Por isso é que eu digo que o gato sou eu.

- Absolutamente. O senhor vai me desculpar, doutor, mas o gato sou eu, e disto não abro mão.

- Vamos analisar essa sua resistência em admitir que eu seja o gato.

- Então vamos começar pela sua insistência em querer ser o gato. Afinal de contas, de quem é o sonho: meu ou seu?

- Seu. Quanto a isto, não há a menor dúvida.

- Pois então? Sendo assim, não há também a menor dúvida de que o gato sou eu, não é mesmo?

- Aí é que você se engana. O gato é você, na sua opinião. E sua opinião é suspeita, porque formulada pelo consciente. Ao passo que, no subconsciente, o gato é uma representação do que significo para você. Portanto, insisto em dizer: o gato sou eu.

- E eu insisto em dizer: não é.

- Sou.

- Não é. O senhor por favor saia do meu gato, que senão eu não volto mais aqui.

- Observe como inconscientemente você está rejeitando minha interferência na sua vida através de uma chantagem…

- Que é que há, doutor? Está me chamando de chantagista?

- É um modo de dizer. Não vai nisso nenhuma ofensa. Quero me referir à sua recusa de que eu participe de sua vida, mesmo num sonho, na forma de um gato.

- Pois se o gato sou eu! Daqui a pouco o senhor vai querer cobrar consulta até dentro do meu sonho.

- Olhe aí, não estou dizendo? Olhe a sua reação: isso é a sua maneira de me agredir. Não posso cobrar consulta dentro do seu sonho enquanto eu assumir nele a forma de um gato.

- Já disse que o gato sou eu!

- Sou eu!

- Ponha-se para fora do meu gato!

- Ponha-se para fora daqui!

- Sou eu!

- Eu!

- Eu! Eu!

- Eu! Eu! Eu!

Fonte: Texto e imagens: www.google.com
 
Fernando Sabino é um cronista e escritor mineiro, publicou em 2004 o romance "Os Movimentos Simulados", da editora Record, totalizando uma produção literária de mais de quatro dezenas de obras em 80 anos de vida. Um dia antes de completar 81 anos, morre vítima de câncer no fígado. O escritor lutava contra a doença desde 2002.


Nesta confusa e bem humorada crônica Sabino nos mostra como nossos sonhos podem significar algo que está em nosso subconsciente. Segundo pesquisas, o sonho é uma experiência que possui significados distintos se for ampliado um debate que envolva religião, ciência e cultura. Para a Ciência, é uma experiência de imaginação do inconsciente durante nosso período de sono. Recentemente, descobriu-se que até os bebês no útero sonham, só não se sabe com o quê. Em diversas tradições culturais e religiosas o sonho aparece revestido de poderes premonitórios ou até mesmo de uma expansão da consciência. 
 
Já tiveram a experiência de sonhar com algo e depois a situação acontecer? Ou com alguém que nunca viu e um belo dia ser apresentado a ela? São situações estranhas e inusitadas que fazem parte de nosso  imaginário levando a muitos a buscarem em livros e revistas os significados dos sonhos que tem.
 
Certo é que acredito ser os sonhos projeções de nosso inconsciente, situações que estão nos preocupando, agradando ou tomando boa parte de nossos pensamentos e que são externadas quando dormimos, visto que ao relaxar a mente damos espaço para que o cérebro tente conectar as questões. Só não temos como negar que é uma sensação boa acordar depois de uma noite bem dormida e que tenha sido povoada por sonhos agradáveis, já é meio caminho andado para o início de um bom dia.
 
 
Márcia Canêdo

By JORNALISMO ANTENADO with 15 comments

15 comentários:

Amiga Márcia, essa crônica de Fernando Sabino é o gato mesmo. kkk Você tem razão em relação aos sonhos quando diz ser uma projeção do nosso inconsciente, pois também acredito nisso, e muitas vezes acredito que os sonhos possam significar premonições, muito embora não saibamos disso. Sempre fui um aficionado por sonhos, e sempre tento ler tudo que se relaciona a este assunto. Parabéns pela postagem. Abraços. Roniel.

Olá Márcia,

Realmente, é uma Confusa e bem humorada crônica, muito boa.

A ciência ainda precisa explicar muitas coisas que envolvem o complexo ser humano e com certeza, uma delas é o real poder de um sonho.

Parabéns pelas palavras Márcia,
Rogério Gomes

Querida Márcia,

Essa crônica me confundiu tanto que só posso afirmar uma coisa: eu é quem não faço terapia com o doutor do artigo, kkkkkkkk. Tô fora...

Beijos.

Bela Márcia,o Sabino é um dos escritores
que marcaram minha infantil adolescência e,adultamente como o faz agora,está mais uma vez,apenas dizendo
o quanto vivi,choroso,igual a bebêzinho novo em braço paterno:Não é a mamãe,mas tb serve...rs!Gatos,realmente são o que há de surreal no mundo.Tenho 3,e,mesmo ninguém,"formado" em Freud,pode dizer
o que sinto e vivo por eles!Portanto,"O gato sou eu"...rs!

Muito interessante essa crônica, nunca ligamos para o que sonhamos, ams os sonhos nos trazem muitas mensagens, uns acreditam outros não, mas o importante é sempre que sonharmos devemos de alguma forma liga-los a um determinado tempo ou as situações pelas quais stamos passando.

Parabéns pela escolha do texto e pela crônica.

Bjos

Márcia

Parabens pela crônica apresentada.
Fernando Sabino é também um mestre das palavras, e neste texto percebemos o quanto tenta nos repassar.
Olhar para nosso subconsciente realmente é muito difícil, existem diversas formas para isso, mas a mais comum é através dos sonhos.
Em estudos de psicologia verificamos a importância deste ato, buscamos respostas, medos, nossa própria existência.
Em alguns casos como comentado são pequenas premunições que viveremos, ou mesmo a resposta por um problema antigo.
O sonho possui o seu significado, muitos ganham dinheiro com isto, mas a ciência explica como um dom de direcionar o "eu" para uma realidade sem prescedentes.
Entender um sonho, seria o mesmo que encontrar a resposta para várias situações, como também "receber" avisos por situações a serem vivenciadas.
Devemos tratar o assunto com cuidado, caso contrário seria classificado como paranóia, e isto seria perigoso.

Perfeita postagem

Um forte abraço
Mad

Maravilha!! E eu quem sou!!1

Essa crônica me deixou mais lelé ainda,porém bem elaborada e divertida, muito boa mesmo.
Abraços forte

Márcia, na minha época de teatro tive oportunidade de participar de um trabalho tetral chamado: "Sonhos, as contradições da alma"
O objetivo da peça era mostrar as várias crenças e teorias a respeito do sonho. Minha participação, foi exatamente nesta crônica do Sabino, onde eu fazia a doutora (psicóloga). O estudo do texto foi a crença do sonho como projeção real.... que é onde entra a idéia de que o gato era o médico... foi muito divertido fazer esta crônica de Sabino em um palco.
Na época, a peça no todo foi um imenso aprendizado, e que tirei o seguinte: O sonho ainda é algo que a ciência não explica, a psicologia analisa e a crença popular ensina....hehehehehe
Beijo no coração

Márcia é de morrer a rir! Parabéns minha querida.

Eu penso que esta crónica, mais do que pretender referir a importância dos sonhos, é um exemplo de como se complica o simples. Na ânsia de debitar conhecimentos, há pessoas que só atrapalham e baralham o nosso espírito. Não que seja por mal, mas talvez por deformação profissional. rsrsrsr

Beijinhos
Luísa

Olá Márcia!
Muito bacana a crônica!
O problema é que o doutor e o paciente
não sabia verdadeiramente quem era o gato...


interessante.

abraço.

Excelente crônica!
Nos faz ver um pouco de nós mesmos através do que sonhamos.
Nem tudo é ilusório no mundo dos sonhos, mesmos nossos mais ocultos desejos podem transparecer na forma de sonho nos dando a dica que estamos indo no caminho certo ou não.
Blog Escritura Viva

A Luísa tem uma certa razão no que diz, ehehe. Se bem que, o do Fernando Sabino gosta de nos divertir com trapalhices desse género.

Quanto aos sonhos eu também acredito firmemente que são projeções de nosso inconsciente. Por exemplo : Quem faz ou já fez terapia sabe que a noite seguinte é uma "festa" ( sonha-se imenso)
bjos
Eninha

Olá Márcia!como vai você?
Há muito tempo queria vir aqui!
adorei esta divertida crônica. E já tive sonhos que se realizaram, sim.
Talvez porque o subconsciente seja tão sensível que pode libertar-se do tempo presente e visitar o "futuro", sei lá...
quanto a gatos...quando eu era solteira,eu tinha uma gatinha e um dia meu pai saiu com ela, e voltou sem!!"Vai ser melhor pra ela,eu a deixei numa casa com um namorado"...
Então uma noite, quando eu estava andando no telhado...epa! quem estava andando no telhado, eu ou a gata?! chiiii!!!Faz tempo, não me lembro mais..(hehehe)
Beijos,Vera.

Oi n posso falar muito. mais eu sempre me vejo assim....uma fera.....mais logo acordo p vida, gostei muito o q vi aqui. mais me deu vontade de chorar e fiz isso. Tive varios gatos e um dia fiz 11 anos e tive q me mudar snif snif...vcs podem imaginar.
Hoje tenho 40. sou uma leoa p ninguem botar defeito.... tenho uma filha linda e por ela eu Viro...
Bjs. Ana
Um dia boto minha foto.









[VCS SABEM....
AbÇs a todos. triste eu

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